Este dia 6 de junho provavelmente será lembrado como aquele em que a
internet viveu seu próprio Big-Bang e poucos ficaram sabendo. É que a
adoção definitiva do protocolo IPv6, agendada para hoje, é uma mudança
que, apesar de modificar profundamente o mapa da internet, se produzirá
em uma parte, digamos, "invisível" das máquinas e da própria rede. Algo
parecido a quando se instala um programa: não vemos os novos
componentes, mas notamos imediatamente as novas funções uma vez
completada a atualização. Hoje, a partir das 0h01GMT (21h01 de
Brasília), o atual número de 4 bilhões de IPs (cada um corresponde ao
lugar ocupado por um dispositivo conectado na grande rede) se expandirá
para milhões de milhões. Mais especificamente, 340 seguido de 36 zeros.
Por isso, a comparação com uma explosão - o Big-Bang.
A medida é tomada em virtude do esgotamento dessas conexões, e como
resposta ao tsunami de computadores, tablets, telefones, televisões e
demais máquinas ou sistemas (como eletrodomésticos, carros, edifícios e
robôs) que já estão ou passarão a estar online de maneira permanente em
um futuro muito próximo.
O sistema que usamos até hoje é denominado IPv4 (versão 4 do
protocolo), criado nos anos 70 do século passado e oficialmente esgotado
em 3 de fevereiro de 2011, quando a Icann (a instituição global que
outorga esses endereços) informou que havia concedido os últimos cinco
lotes da reserva de endereços IP com que contava para identificar os
dispositivos na rede. Entretanto, o novo protocolo não substitui
automaticamente o anterior. Haverá um período em que ambos coexistirão e
se estima que a transição completa levará alguns anos.
Contra a crença generalizada de que toda inovação traz mais
velocidade, neste caso é provável que o usuário experimente alguns
atrasos na entrega de dados, ainda que nada muito grave nem duradouro,
segundo especialistas. "A maior parte dos usuários não deverá perceber
nada", disse Leo Vegoda, da Icaan. "Mantemos nossa promessa de uma
transição sem tropeços para o IPv6", disse Jason Livingood,
vice-presidente de sistemas de internet da Comcast, um dos maiores
provedores dos Estados Unidos, de acordo com a agência France Presse.
O World IPv6 Launch (Lançamento mundial do IPv6) é uma iniciativa
da Internet Society. O IPv6, a partir de agora, deverá ser o padrão do
mercado. "Percebemos a adesão ao IPv6 como fundamental para o bom fluxo
de desenvolvimento da internet. Os endereços livres no IPv4 estão
acabando e pode ocorrer uma situação crítica sem um esforço coletivo
para a implementação definitiva da versão 6 do protocolo IP", afirma
Juliano Primavesi, Diretor da KingHost, uma das organizações líderes em
hospedagem web.
No Brasil, o NIC.br tem coordenado os esforços de implantação do IPv6
desde 2008. Em junho do ano passado, houve um teste global do uso do
novo protocolo, o World IPv6 Day. Durante 24h, empresas da internet como
Google, Facebook, Yahoo, Terra e UOL ativaram o novo protocolo
em seus sites, com o objetivo de detectar possível problemas, no que foi
o maior e mais importante teste de funcionamento do IPv6.
Um novo teste ocorreu durante a Campus Party Brasil, entre 6 e 12 de
fevereiro deste ano, em São Paulo. A "Semana IPv6" teve apoio da
Internet Society e do Registro Regional de IPs da América Latina e
Caribe (LACNIC). Segundo o NIC.br, durante o eveto 196 sites, 21
provedores de acesso, e nove datacenters e provedores de hospedagem
ativaram o IPv6 num grande teste regional. Como no World IPv6 Day, o
teste também foi bem sucedido e muitos provedores decidiram manter o
novo protocolo ativo. Foi o caso, por exemplo, do Terra, do UOL, e da Globo.
O Terra foi a primeira empresa de internet no Brasil a ter
100% da infraestrutura de rede pronta para operar em IPv6, até antes
mesmo das principais operadoras de telecomunicações. O portal adotou o
"dual stack", tecnologia que possibilita às aplicações interagirem tanto
no protocolo atual como no IPv6, sem interferências.
Agora, não é mais hora de testes, e sim de trazer o IPv6 para dentro
dos processos normais de negócios das empresas e ativá-lo de forma
definitiva. Dentre as empresas que se comprometeram com o lançamento
mundial do IPv6 estão provedores de conteúdo, como Google, Facebook e
Yahoo, provedores de acesso, como Comcast e AT&T, dos Estados
Unidos, Free, da França, e fabricantes de equipamentos de redes, como
Cisco e D-Link.
A Sociedade da Internet no Brasil, entidade que representa a Internet
Society no país, fará umá uma série de palestras para explicar a
importância do IPv6. "Temos eventos confirmados em São Paulo, Salvador,
Fortaleza e Jundiaí. As atividades não se encerram nesse dia, os
materiais sobre a disseminação do IPv6 continuarão disponíveis para que
outros eventos sejam organizados nos próximos meses", informa Carlos
Afonso, presidente da entidade. Mais informações sobre a iniciativa e os
locais das palestras podem ser obtidas no site oficial World IPv6 Launch.org e no site da da Sociedade da Internet no Brasil.
Números
As grandes companhias de internet (como Google e Facebook, por exemplo),
ou fabricantes (como a Cisco) animam as empresas e usuários
particulares a fazer a transição, afirmando que isso tornará mais eficaz
a comunicação entre os diferentes aparelhos de uma rede doméstica ou
profissional. A Cisco distribuiu, no último dia de maio, uma projeção
que dá uma ideia do que vem por aí. O estudo sugere que em 2016 haverá 8
bilhões de dispositivos fixos e móveis com capacidade IPv6 no mundo. Em
2011 esse número era de 1 bilhão. No estudo, ainda, vê-se que até 2016 a
quantidade de pessoas conectadas à internet chegará a 45% da população
mundial, chegando a quadruplicar o tamanho que a rede tem hoje.
Entre as razões de tal aumento (que em nível global significará 1,3
zetabytes ou mais de um bilhão de Gb por ano) estão o incremento de
dispositivos (em 2016 havera quase 19 bilhões de conexões de rede contra
os 10.300 bilhões em 2011), mais usuários de internet (3,4 bilhões),
maior velocidade de banda larga (média de 35 Mbps), mais vídeo
(equivalente a 833 dias de vídeos circulando por segundo) e crescimento
do Wi-Fi (mais da metade do tráfego mundial).
Pesquisa recente da Ericsson aponta que 85% da população mundial terá
cobertura de internet móvel de alta velocidade em 2017, com 50% de
cobertura 4G, e que o tráfego global de dados deverá crescer 15 vezes
até o final de 2017